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A escolha é nossa

Foi perante uma sala cheia, e com a presença muito expressiva de professores-bibliotecários, que fizemos o lançamento do 10.º título da coleção juvenil A Escolha É Minha, de Margarida Fonseca Santos. Não Me Magoas Mais é o título do livro, que aborda a violência no namoro. No encontro, que se realizou na livraria Buchhloz, em Lisboa, tivemos oportunidade de escutar várias intervenções e pontos de vista importantes sobre esta temática que tanto afeta a vida de muitos jovens e famílias.

 

Uma coleção para estimular o pensamento crítico

A apresentação do livro esteve a cargo de Rute Agulhas, psicóloga e ligada a vários projetos de defesa de vítimas, que começou por destacar a pertinência de uma coleção que, nos dez volumes já publicados, têm abordado diferentes temáticas que envolvem os desafios mais comuns com que os jovens se deparam ao longo da adolescência.

«Falamos de uma coleção pensada para jovens que, mais do que providenciar informação concreta sobre os vários assuntos, estimula o pensamento crítico e a reflexão – ingredientes necessários para que ocorram verdadeiras mudanças de atitudes e comportamentos. Porque não basta disponibilizar informação – é preciso que esta seja processada, desejavelmente num contexto de partilha entre pares que suscite a discussão.»

Sobre o novo livro e o tema da violência nas relações de namoro, Rute Agulhas sublinha o quão importante é trazer o assunto para o debate público.

«Esta é uma realidade com uma prevalência que, ano após ano, nos surpreende de forma negativa. E não são apenas as estatísticas conhecidas que nos preocupam – sendo certo que as cifras negras serão muitas mais -, mas também a constatação de que os jovens legitimam muitos comportamentos agressivos, minimizando a sua gravidade ou entendendo-os como manifestações de amor.»

 

Uma teia de enganos

Entrando diretamente na história, percebemos como o enredo desenha uma realidade que, de uma forma ou de outra, todos nós já presenciámos ou intuímos.

«Nesta história, Larysa namora com um colega que, numa fase inicial, se mostra charmoso e sedutor, características que evoluem de forma gradual para comportamentos de controlo, violência psicológica e violência física. Presa nesta teia relacional, experienciando sentimentos de culpa e de vergonha, a protagonista tenta enganar-se a si mesma, racionalizando aquilo que vivencia. Larysa tenta ainda esconder as marcas da violência das pessoas que a rodeiam. Mas se esconder as nódoas negras dos braços se revela relativamente fácil – para isso basta uma camisola de mangas compridas – mais difícil parece ser esconder as marcas emocionais. A tristeza. O isolamento. Alterações emocionais e de comportamento que, pouco a pouco, começam a ser visíveis aos olhos dos seus colegas de escola.»

 

Criar espaços de partilha

No ponto seguinte, Rute Agulhas tocou num aspeto crucial: o papel daqueles que assistem ao desenrolar do drama.

«Falemos agora das pessoas que estão em redor das vítimas desta forma de violência. Muitas vezes, não se apercebem, porque falamos de uma realidade que se procura esconder. De uma realidade muitas vezes invisível que é perpetuada pela culpa, pelo medo e pela vergonha que a vítima sente.
Os colegas de Larysa, uma vez desconfiados de que algo poderia estar a passar-se com a sua amiga, recusaram-se a ser meros expetadores passivos – os chamados bystanders – e traçaram um plano de ajuda.  Um plano centrado na capacidade de escuta, respeitando as dificuldades da amiga, e criando espaços de partilha. Ao mesmo tempo, foi identificado um adulto de confiança – um professor – que assume aqui um papel determinante, deixando claro que esta é uma realidade inaceitável que tem de ser sinalizada.

Quem vivencia uma relação de namoro abusiva precisa sentir que não está sozinha e que não é caso único. Precisa sentir que tem à sua volta uma rede de suporte – informal (pensando na família e amigos) e formal (pensando na escola e nos serviços especializados de apoio a situações de violência – como a APAV).

É nosso dever enquanto comunidade – sejamos pais, amigos, vizinhos, professores, psicólogos ou qualquer outro profissional – estarmos atentos (mesmo aos sinais mais subtis) e envolvermo-nos no processo de ajuda junto destas vítimas. É nosso dever recusarmo-nos a assistir passivamente a estas situações e a fazer de conta que não se passa nada. A escolha é minha. E a escolha é nossa.»

 

Um problema cultural

Cristina Soeiro, vice-presidente da APAV, esteve também na mesa em representação desta importante estrutura de apoio às vítimas, que recomenda o livro e colaborou na revisão do mesmo.

A psicóloga forense começou por enquadrar o tema no problema mais vasto das relações de intimidade. «A violência nas relações de intimidade é um grave problema cultural em Portugal.» A APAV faz um trabalho específico sobre a violência no namoro que é, muitas vezes, a antecâmara da violência doméstica e do quadro negro e vergonhoso dos números que este flagelo atinge no nosso país.

 

Um espaço seguro

Manuela Pargana Silva, coordenadora nacional da Rede de Bibliotecas Escolares, entidade a quem a autora dedica o livro, sublinhou o papel das bibliotecas e da leitura como um espaço seguro, de partilha de conhecimento, mas também de afetos e conversas francas. E o papel de tantos professores bibliotecários que, mais do que recomendar livros, acabam por ser portos de abrigo para muitos jovens que procuram referências e apoio.

 

Falar na primeira pessoa

Na sua intervenção, Margarida Fonseca Santos falou de uma das principais caraterísticas da coleção. As histórias são contadas na primeira pessoa e de diferentes pontos de vista, «levando o leitor a pensar como será calçar os sapatos do outro.»

Bicicleta à Chuva, o primeiro volume e continuamente um dos mais lidos e procurados, aborda o tema do bullying também da perspetiva do agressor. É preciso «compreender que muitas vezes o agressor tem um passado de vítima, reage agredindo, em vingança.»

A coleção, criada em 2015, tem feito um percurso admirável e tem conquistado muitos leitores, nas escolas e não só. Muitas vezes, os jovens sentem-se representados nas histórias que «abordam assuntos que serão importantíssimos para alguns, e por isso tão únicos.» Além do bullying, a morte inesperada, a doença crónica, as dependências, as dinâmicas familiares, a identidade sexual, os impactos da pandemia, entre outros.

Para escrever este livro, a autora teve acesso a muitos testemunhos, nomeadamente através do site da APAV Jovem, cuja importância é tremenda. E toca num ponto a que o site dedica também muita atenção: «O momento do fim da relação e a necessidade de se estar acompanhada e ter uma teia de quem ajude a neutralizar o agressor.»

Por fim, Margarida Fonseca Santos explicou porque dedica este livro aos professores-bibliotecários

«Vi acontecer, tantas vezes, momentos fantásticos de partilha de leituras e também de vidas, de problemas, de mãos estendidas para dar informação, ajudar, alertar quem pode agir; onde há momentos de um para um, onde se pode falar do mundo de cada jovem e orientar a sua descoberta (de si mesmo, dos seus livros).»

Ligações:

APAV

RBE

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