Ao 10.º volume da coleção juvenil A Escolha É Minha, que aborda diversas temáticas e desafios do crescimento e da vida dos adolescentes, a violência no namoro está no centro de um enredo inspirado em muitas histórias e «farrapos de conversas» que chegaram ao conhecimento da autora. Margarida Fonseca Santos quer retratar o quotidiano nas escolas e também ajudar a criar ambientes mais saudáveis e seguros onde se possa falar de tudo.

Este novo livro aborda a questão da violência no namoro. Houve alguma história real que a tenha inspirado? Onde procurou informação?

Quando se escreve sobre estes temas, temos sempre de estudar, ler muito, consultar sites de apoio e ler depoimentos, falar com pessoas que tenham passado por situações destas. Houve histórias muito próximas que me inspiraram, e farrapos de conversas com jovens quando ia às escolas. Queria escrever sobre a violência no namoro já há bastante tempo. Foi agora.

Parte importante da história tem lugar na biblioteca da escola, que se apresenta como espaço de conhecimento, lazer, encontros, abrigo…  Foi intencional? É esta a realidade que tem encontrado nas suas idas a escolas?

Sim, foi totalmente intencional, pois vejo nas bibliotecas das escolas um sítio de tranquilidade, saber, curiosidade, e também de conversas que podem fazer a diferença. Creio que há muitos professores bibliotecários que abraçaram o desafio da biblioteca porque sentem que podem ir mais além dos programas. A Rede de Bibliotecas Escolares está a crescer em intenção e formação, vejo um futuro muito positivo, tenho constatado que é nelas que também se faz o apoio escolar, em grupos pequenos, única forma de ir recuperando desfasamentos.

As nossas escolas têm cada vez mais alunos estrangeiros ou filhos de estrangeiros. Foi para dar conta desta realidade que escolheu uma estudante ucraniana para personagem principal?

 No fundo, foi para retratar a realidade das escolas de hoje. Mas não só. Penso que estes jovens, por terem já na sua vida muitas mudanças dolorosas e medos, podem estar mais fragilizados na sua autoestima, e os abusadores detetam de imediato estes casos. Isto é transversal a todos os jovens, portugueses ou estrangeiros, claro. Os casos de violência e maus-tratos envolvem sempre jovens que, de alguma forma, se encontram mais frágeis, porque ficarão calados, sem se queixar.

Este é o 10.º livro da coleção e as temáticas têm sido sempre diferentes. Tem verificado que há livros que despertam mais a atenção dos leitores? Qual pensa ser a razão para isso?

A ideia da coleção era falar sobre temáticas que perturbam, e muito, a vida dos jovens. Todos os que envolvem, de alguma forma, a violência têm sido os mais procurados, mas isto também pode advir da orientação dos professores. Contudo, aqueles livros que tiveram procuras mais modestas (À sombra da vida, Reconstruir os dias, Está nas tuas mãos) têm temáticas mais cirúrgicas, digamos assim: mãe alcoólica, morte de um dos progenitores, doenças crónicas.
Recordo um dos dias em que, numa escola no Norte, me encontrei com jovens muito recetivos a estas temáticas. Quando a sessão terminou, 8 ou 9 alunos ficaram comigo a conversar em privado: um agradeceu o livro sobre o alcoolismo no feminino, tão pouco retratado e falado (é um alcoolismo escondido), porque o tinha ajudado a compreender a mãe; outra rapariga disse que tinha sido muito importante para ajudar uma grande amiga, com o sonho de ser bailarina, a quem foi diagnosticada um artrite idiopática juvenil; outro confessou, durante a sessão, que tinha a doença de Chron, e nenhum professor sabia disto; e um rapaz que, com os olhos rasos de lágrimas, me disse: «Parecia que o livro estava dentro da minha cabeça. Não estou a conseguir aceitar a morte do meu pai.» Abraçámo-nos e falámos sobre os passos da perda, contei-lhe a minha experiência pessoal, tão parecida e repentina. Pedi-lhe que desse tempo ao luto para que as feridas fossem cicatrizando; as cicatrizes ficariam, e talvez ele, no futuro, pudesse ajudar alguém num processo de perda.
Senti-me comovida, emocionada, por estar a ajudar estas pessoas com percursos tão raros, tão pouco falados. Escrevo muito sobre o sofrimento, porque sei o quanto me ajudam os livros que vou lendo, e esta coleção pretende dar a mão, acompanhar, proteger.

Uma das características interessantes da coleção é que as histórias são sempre contadas por vários narradores. Acha que essa pode ser uma das razões para o gosto que conquista junto dos jovens leitores?

O objetivo é olhar os acontecimentos a partir de perspetivas diferentes. Enriquece muito a história termos pontos de vista pessoais, pois de outra forma teríamos o narrador a contar uma única versão do que acontece. Estes olhares diferentes permitem então que se leia a situação e se entenda que nem todos veem o que eu (pessoa) vejo. Os jovens falam sempre nisto: que não imaginavam como podia ser a reação de outros alunos.
Logo no primeiro livro, ficou claro como este era um fator forte para os leitores. Em A Bicicleta à Chuva, lemos a versão da vítima de bullying e a do agressor (onde se enquadra o seu pensamento, toldado pelo facto de ter um pai agressor, de raiva pela injustiça). Nas sessões, discute-se muito como nascem os agressores, chegando-se à conclusão que não chega punir o agressor: é preciso compreendê-lo e ajudá-lo a mudar de perspetiva, sarando, quando possível, a família também.
Relatam que gostam muito desta forma de ver a realidade, repleta de sensações e passados pessoais, sentimentos divergentes, gostam de vestir a pele do outro, e creio que será assim que se aprende o respeito e a entreajuda.

Assim que termina um livro começa a pensar no próximo ou dá um tempo para juntamente com a sua editora encontrar um tema que lhe agrade e sinta que é pertinente?

Preciso de bastante tempo para me desligar do assunto, do livro. Não é nada fácil passar de um para outro, porque a sua escrita é muito emocional, tenho de viver dentro das pessoas que escrevo, e há que fazer um luto a seguir. E só consigo escrever sobre temas que, de alguma forma, me tocam, me apaixonam. Às vezes, a editora lança um tema e não o sinto, por isso não o agarro. Também já aconteceu o contrário: propor um tema e a editora achar que não é o momento certo. É uma dança: vamos avançando nos temas e estudando a importância de cada um. Também é preciso ver se os temas se adequam a determinada faixa etária, e é por essa razão que a leitura surge recomendada para A ou B. O que fazemos é dar a primazia ao texto.
Os jovens ficam, por vezes, chocados quando lhes digo isto, mas é a minha verdade: escrevo, primeiro que tudo, para mim. Escrevo um livro que me emocione, que goste de ler, que provoque o pensamento. E essa é uma das características que me diz que é o momento de começar. Estudar o assunto e pensar nas ideias é um ato racional; a escrita é muito mais visceral, porque o momento de começar aparece de repente, em cenas, em diálogos, o que me leva a escrever quase com pressa. Vivo, de facto, dentro das personagens. A seguir, chega o momento literário, ao afinar o texto, apurando cada frase. Depois é que penso/pensamos em quem irá lê-lo.
Quanto conto aos miúdos que há histórias que não podem ser publicadas, porque não funcionam e têm de ir para o lixo, ficam perplexos. Às vezes, são meses de escrita que não resultam. É importante que percebam que os escritores, como qualquer profissional de uma área, falha, recomeça, desarruma e monta de novo. Tem de se ter a coragem de não dar ao leitor algo que nem a nós convence. Respeitemos os leitores.